
rio de sangue
acrílico sobre tela, 59x59 cm, 2019
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A obra habita o intervalo entre o que se vê e o que se sente. O branco que ocupa a cena não é vazio: é silêncio espesso, é ausência gritante. Como um caderno de memórias prestes a ser manchado, a imagem guarda a inocência interrompida — crianças brincam no pátio, mas algo escorre. Um traço escuro atravessa a composição, vindo de dentro da casa como um veneno antigo, um sangue que insiste em retornar.
Não há alarde. O perigo se instala com delicadeza. Ele ronda as esquinas, mora nos fundos da casa, desliza sob os pés miúdos. Os contornos infantis parecem não perceber a mancha — ou talvez já tenham se acostumado com ela. Em meio à linha tênue entre o traço e a forma, a obra aponta o quanto o cotidiano pode esconder feridas profundas, naturalizadas.
Este “outro” rio de sangue não é apenas continuação — é multiplicação. Ele fala de recorrência, de ciclos que se repetem, de histórias que escorrem pelas frestas da estrutura social. A pintura, ao deixar tanto por traçar, nos convida a completar o horror com a nossa própria memória. E, assim, nos torna cúmplices e testemunhas.

